Por Célio Alício
Desde que passou a assistir aos ensaios da Universidade de Samba Boêmios do Laguinho ao lado do esposo em 2012, cantando na calçada da antiga sede, no meio do povo, os hinos eternizados em tantos carnavais, provavelmente ela sequer imaginasse o que o destino que lhe reservaria. Até ser chamada ao palco pra dar uma canja num dos pagodes da Nação das memoráveis noites de sexta-feira, e ser convidada pra compor o time de intérpretes da maior agremiação carnavalesca da Amazônia, Silmara Lobato descortinou um novo horizonte que redefiniu sua carreira artística e ela fez um pacto de amor com a Nação Negra, que lhe abraçou desde o primeiro ensaio.
Ao aceitar de imediato o convite, ela foi a primeira entre os intérpretes a chegar na segunda-feira à noite pra ensaiar e fixar seu território no palco mais celebrizado da história do Carnaval amapaense. Cantar com a cama percussiva dos tambores da Pororoca regida por ninguém menos que o Mestre Carlinhos Bababá, ao lado de monstros sagrados como Macunaíma, o “Herói Laguinhense” e Aureliano Neck, o “Cidadão do Samba”, definitivamente não é pra qualquer um, ainda mais pra uma cantora que ainda não tinha a cancha de cantar por uma agremiação carnavalesca. E não se tratava de uma escola de samba, e sim da Universidade de Samba Boêmios do Laguinho. Mas Silmara sempre foi movida por grandes desafios, nunca fugiu de nenhum deles e a todos venceu.
Um time formado por Cleudir Rangel, Eduardo Jucá e Paulinho do Rosário, pratas da casa e com o reforço do saudoso Betola, era sem dúvida uma nova experiência, bem ao feitio da artista talentosa. Aquela cantora de voz afinada e potente, com múltiplos recursos, iniciaria um novo ciclo em sua carreira, e de cara na mais tradicional agremiação do Carnaval amapaense. Ela sabia muito bem das diferenças entre a voz solo do grupo Negro de Nós e a nova intérprete que nasceria a partir do momento em que aceitou empunhar o microfone e entoar os cânticos mitológicos da Nação Negra. Sabia do tamanho e do peso da responsabilidade, mas sabia em contrapartida, do próprio poder e destemor para encarar tamanha missão.
E ela sentiu-se honrada, subiu no palco, adentrou a passarela e junto com seus amigos intérpretes cantou as coisas de Pernambuco no enredo “Nação Pernambucália: um Frevo no Meio do Mundo” e se emocionou ao cantar e ao mesmo tempo ver de perto a sua Universidade do coração encantar o público no Sambódromo. E Silmara pontuou com louvor no primeiro desfile e contraiu bodas com a Boêmios do Laguinho a quem não cansa de fazer juras de amor eterno e dedicar toda devoção ao seu pavilhão e à gente da Negra Nação. A Silmara do Negro de Nós se reinventou e se fez “Silmara da Nação Negra” e se tornou a voz mais bonita a entoar com suavidade e garra os versos dos sambas imortais da Universidade.
Particularmente ela fez de “Ainda Laguinho”, hino do bairro e da Universidade do Samba, o seu carro-chefe e que na sua voz encontrou a interpretação definitiva. É impossível não associar esse samba antológico a uma voz que não seja a sua, de uma forma emocionada e contagiante de cantar e declamar um poema e fazer as pessoas – de outras escolas de samba inclusive – cantar junto com ela e a massa boemista. Silmara impôs a sua marca singularmente pessoal de cantar a maior declaração de amor a uma comunidade às suas manifestações culturais e religiosas e à sua história, uma beleza única em sua essência e no sentido de pertencimento no universo da ancestralidade de nossas matrizes africanas e matizes afrodescendentes.
Agora, essa diva laguinhense sobe um novo degrau em sua trajetória artística e adentra um outro patamar. Pela primeira vez, a Universidade de Samba Boêmios do Laguinho inova com destemida ousadia e apresenta Silmara Lobato como a intérprete principal da Nação Negra no Festival de Sambas Enredos Inesquecíveis do Amapá, para entoar à frente do time de intérpretes da mais querida os versos pujantes e vigorosos de “Mar Acima, Mar Abaixo: de ‘ladrão’ em ‘ladrão’, a Saga de uma Nação”, dos boemistas Rozendo Souza e Heraldo Almeida, sob as bênçãos do Menestrel Francisco Lino da Silva, compositor e poeta-mor da Nação Negra e sua maior expressão em vida. Será Silmara a gritar mais alto: “Foge boçal, a mata é tua, Preto indomável a tua luta continua.”
A Nação Negra abraça e acolhe no coração essa musicista de voz abençoada, inesgotáveis recursos, técnica refinada, notável e contundente talento e enorme carisma. A confiança que essa guerreira laguinhense carrega no peito, é avalizada por uma legião de apaixonados pela agremiação carnavalesca mais tradicional e mais amada do nosso Carnaval, berço do Samba, nicho de bambas e enredos imortais, um diamante puro e valioso, lapidado pela força e legitimidade do amor mais puro que o nosso samba generosamente concebeu e que Silmara se compromete a honrar e eternizar.
Que São Benedito interceda por essa Diva do Samba e ilumine sua voz e seus caminhos e que Deus a Abençoe.
Ave Silmara e Viva a Nação Negra!
A Diretoria
Texto e fotos: Célio Alício