[Fora da Grei] Vivere parvo!
Nunca tive vocação para suicida. Como disse, certa vez, Rubem Alves, quando a morte chegar, eu vou sentir uma pena danada de deixar o palco da vida. Também costumo sentir certa pena de quem morre, de um modo geral. Porque a morte é um fato absoluto e determinante. E, por mais que seja um evento natural, não deixa de ser um mistério que abre as portas para o infinito, representando uma transformação tão radical em nossa vida que não podemos aceita-la como um fato comum (mesmo que seja o mais comum dos fatos).
Algum dia, há milhões de anos, um de nossos ancestrais primatas foi dormir depois de um longo dia de caça ao bisão e não acordou mais. Seus companheiros de grupo perceberam que ela estava frio e rijo e o deixaram quieto. E em apenas dois dias o mal cheiro já era insuportável dentro da caverna e tiveram que se livrar daquele que, há apenas dois dias, era igual a eles… A perplexidade diante da morte nos acompanha há milênios. E até hoje tentamos preencher o vazio que ela causa com crenças e comportamentos carregados de dor, saudade e imaginação (ou da esperança de um reencontro).
O ano de 2021 vai se aproximando do seu fim ainda trazendo na bagagem o peso da morte de familiares e amigos que nos deixaram. Até o momento em que escrevo esta coluna já se contabilizam, aproximadamente, cinco milhões e quatrocentas mil vidas perdidas no mundo, em quase dois anos de pandemia. E aquela perplexidade milenar diante da morte ainda nos acompanha.
Há um velho ditado que diz: “Se queres bem empregar a vida, pensa na morte”. Mas geralmente fazemos o exato oposto. Fugimos dela. E muitas vezes não empregamos bem a vida. Ao contrário, a desperdiçamos com coisas que, no final das contas, não importam. Vivemos mais querendo TER do que SER. Vivemos o tempo todo querendo pois somos seres desejantes: desejamos os prazeres imediatos proporcionados pelo carro novo, casa nova, novo posto na hierarquia; desejamos o prazer do reconhecimento e aprovação dos outros; etc. E no caminho, esquecemos, muitas vezes, de sermos mais amáveis, mais solícitos, e viver uma vida mais simples, sem a necessidade de consumirmos tanta coisa que nos impõem.
Os romanos herdaram um pouco da filosofia grega dos estoicos e criaram a expressão em latim “vivere parvo”, que tanto pode ser traduzida como “viver do pouco”, como “viva um pouco”, nos indicando que não precisamos de tanto para sermos felizes, basta que vivamos um pouco. Portanto, ao invés de evitar pensar nisso, pare um pouco o que estiver fazendo agora e pense um pouco na sua morte: Se hoje fosse seu último dia (o que, de fato, pode ser), quais são os valores que você está deixando para trás? Quais são as lembranças que as pessoas vão ter de você? Tudo que você está fazendo hoje está valendo a pena? Pense nisso e vivere parvo!