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[FORA DA GREI] Um elefante numa loja de porcelanas

ILUSTRAÇÃO

A minha mulher me diz que, às vezes, eu tenho a sutileza de um elefante numa loja de porcelanas – ela me esnoba em seu francês impecável: “Comme un éléphant dans un magasin de porcelaine”. Essa é a forma poética dela dizer que, às vezes, eu liberto o ogro que existe em mim (na verdade, em todos).


Agora imagine a cena: Alguém tentando dominar um animal poderoso e desajeitado, de seis toneladas que, por um terrível acaso do destino, adentrou uma loja de delicadas porcelanas. Um desastre, com certeza inevitável.
Depois que ouço o ditado francês – que só entendo hoje porque, um dia, ela traduziu pra mim (sou um zero total nesse idioma) – respiro fundo e sossego meus impulsos. E só depois, com a cabeça devidamente no lugar, é que tomo alguma decisão.


Pensando sobre isso, a metáfora fica evidente: Em muitas ocasiões (às vezes bem mais do que percebemos), nossa mente é como um grande elefante desfilando por dentro de uma loja de delicadas porcelanas, quando não recebe a devida atenção.


Poucas coisas podem ser tão perigosas quanto uma mente desgovernada. E domar esse elefante só é possível se ele se tornar nosso aliado e não nosso inimigo.


A mente parece ter poderes ilimitados: É nela que consolidamos as crenças que guiam nossa vida. É nela que somos felizes ou tristes, atentos ou dispersos, comprometidos ou não. Diante disso, ela merece toda a nossa atenção!
Nesse novo mundo “líquido” (como diria Bauman) ou nessa “Terra Dois” (como diz Forbes), em que cada vez mais vivenciamos esse materialismo imediatista e fugaz, que literalmente escorre por entre nossos dedos das mãos, temos nos tornado prisioneiros de certas “peças de porcelana”. Em outras palavras, nos sentimos afetados, influenciados, responsáveis e muitas vezes prejudicados por muitas das coisas que nos cercam. Mas, as circunstâncias da vida, só podem nos afetar profundamente se nós permitirmos. Ok! Ninguém pode decidir quando a chuva vai nos surpreender sem capa no meio da rua. Mas, todos podemos aproveitar e tentar tirar algo positivo dessa experiência – como um descanso do trabalho devido um atestado do resfriado que você pegou por não levar uma capa de chuva como sua mãe sugeriu, por exemplo…


Um primeiro passo necessário é aprender a dominar a nossa mente. Quando a vida traz as provas e os desconfortos é a hora de prestar atenção nela e decidir para onde seguirão os próximos passos. E, quando não conseguirmos? Lembremos do filósofo romano Sêneca: “Contra raiva, procrastinação”. Às vezes, não fazer nada no momento é uma decisão generosa e sábia.


A maioria das coisas que perturbam nossa mente aparecem quando menos esperamos. Alguém nos fechou no trânsito; esquecemos as chaves de casa; tropeçamos… Geralmente, nem precisa ser algo grande para perdemos o domínio sobre nossa mente e nossas ações. Suamos frio, trememos e temos medo de que as coisas que acumulamos sejam destruídas. Tememos perder a nossa reputação, o nosso dinheiro, os nossos bens. E nesse terremoto interno, não nos perguntamos o mais óbvio: Como aquele elefante foi parar no meio da nossa loja? Em outras palavras, porque ficamos tão descontrolados com essas situações? Para nos lembrarmos de procurar as causas de nossos sofrimentos é fundamental acalmarmos a mente.


Na antiga tradição Hindu, o elefante é considerado como um símbolo da Sabedoria. Uma das chaves de interpretação possíveis, nos diz que esses animais têm um poder muito grande, mas a sua força pode ser controlada. Pensando nisso, nossa mente pode ser como um elefante: Poderosa e suave; forte e delicada. Adestrar esse poderoso animal que existe no interior do nosso self (como diria Jung), é um exercício constante e absolutamente necessário. Daí a necessidade do autoconhecimento, da autodisciplina, da força de vontade e da reflexão. Podemos deixar de ser conduzidos pelas nossas impressões imediatas da realidade, e termos o domínio das nossas próprias ações. Seremos os influenciadores diretos dos acontecimentos de nossas vidas. E não vítimas da aparição surpresa de um desafio à nossa frente.


Ninguém pode evitar enfrentar um incômodo de vez em quando. Não importa o que fizermos, a vida sempre trará situações delicadas e não esperadas para lidarmos. Parece que tem que ser assim, para que possamos encontrar novas respostas para viver. E a cada nova resposta, crescemos como indivíduo – é isso que Jung chamava de individuação. Essas respostas passam por desenvolver algum nível de controle da mente.


Esse controle pode nos ajudar a passear pelos diversos espaços da vida, sem derrubar as nossas porcelanas, nem as dos outros. Pode nos ajudar a fazer mais do que simplesmente colocar o problema porta afora e jogá-lo em cima do vizinho mais próximo. Pode fazer com que nossa mente seja a ferramenta mais importante para uma vida mais virtuosa e feliz.

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