Sem dúvida, os brasileiros são um dos povos mais “zoeiros” da internet. Somos campeões em criar memes e fazemos piada de tudo. Freud diria que somos um povo “chistoso” – ele não usaria uma gíria como “zoeira” (aliás, será que se escreve “zuêra”? Não importa. O que vale na rede é que a piada funcione).
Então! Tem muita coisa engraçada circulando nas redes sociais e hoje eu me deparei com a seguinte situação: Percorrendo minha timeline, me deparei com um meme reproduzido pela minha amiga Camila. O meme é de um perfil do Instagram chamado @69tonsdeprazer que indaga: “Porque [sic] toda mulher que paga de autoritária é submissa na cama?” Achei a pergunta interessante e fiz o seguinte comentário: “Isto em Psicanálise se chama compensação e é uma forma de sadomasoquismo”. Depois disso a Camila colocou uma carinha de espanto do tipo: “Pronto. Lá vem o nerd com seus conceitos!” (espero que não)…
Enfim, de todo modo, achei a coisa interessante e, como eu estava sem um assunto legal pra coluna da semana, resolvi falar sobre esta curiosidade da psique humana. Então vamos lá!
Em seu trabalho intitulado “Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade” (1905), Freud dedica o primeiro capítulo ao que ele chama de “aberrações sexuais”. Vale ressaltar que o termo aberração é usado por Freud em seu sentido mais estrito de “aquilo que se desvia do padrão comum”. Do ponto de vista estritamente biológico, o sexo entre os humanos tem como propósito a reprodução da espécie. Mas como somos seres muito mais complexos e temos outras dimensões que precisam ser levadas em conta (como o prazer, por exemplo), Freud já entendia a nossa sexualidade por si só uma aberração em relação ao padrão comum de outros mamíferos, incluindo alguns primatas, nossos ancestrais diretos.
Dentre as “aberrações”, estão o sadismo e o masoquismo. O sadismo, segundo Freud, seria um componente agressivo e exagerado da pulsão sexual e que oscila desde uma atitude meramente ativa (como um comportamento autoritário, por exemplo) ou mesmo algo mais violento para com o objeto (parceiro) sexual até uma satisfação exclusivamente condicionada pela sujeição e maus-tratos a ele infligidos – mas somente este último caso extremo merece o nome de perversão. Em outras palavras, o sadismo seria um impulso sexual exageradamente dominante e agressivo que só se satisfaz com a submissão e passividade do parceiro sexual.
De modo semelhante, porém oposto, o masoquismo abrange todas as atitudes passivas perante o objeto sexual. A sua versão mais perversa seria condicionar a satisfação e o prazer sexual ao padecimento de dor física ou psicológica advinda do objeto sexual.
Neste sentido, podemos responder à pergunta do meme de forma mais completa assim: Não é uma regra absoluta – uma vez que qualquer conceito absoluto sobre a espécie humana é um absurdo – mas é bastante comum uma pessoa (e aqui eu faço questão de não diferenciar gêneros) de comportamento social autoritário ser submissa na cama e vice versa, por um mero mecanismo de defesa chamado compensação. Trocando em miúdos, temos o exemplo daquele valentão que adora uma encrenca na rua, mas que acaba sempre se relacionando afetiva e sexualmente de forma submissa com o(a) parceiro(a). Ou ainda aquela menina toda tímida e recatada que vira um demônio entre quatro paredes.
Uma explicação possível para este mecanismo de defesa seria uma necessidade de pausa que todos nós sentimos em relação aos nossos papéis sociais. Geralmente vivemos em um meio social hostil, cheio de concorrência, uma vida extremamente competitiva e cada um, ao seu modo, acaba encarnando um papel social (como a personagem de uma grande peça teatral chamada Vida). De modo que, quando nos despimos (em todos os sentidos) desse papel, na intimidade privada, precisamos compensar tudo aquilo que não podemos fazer em público, simplesmente por precisarmos seguir o roteiro da peça.
Seja como for, não há certo nem errado. Tudo é permitido quando há mútuo consenso. O importante é sentir e dar prazer. O resto é só meme mesmo.