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[FORA DA GREI] – O BBB e a ilusão do real

Volta e meia, as redes sociais adoram lançar pequenas modas e desafios para seus participantes – nada demais; apenas brincadeiras e diversão. Por esses dias, a brincadeira está sendo (de novo!) expor cinco curiosidades sobre si. Como psicanalista, eu devo me abster de participar desse tipo de brincadeira, para não influenciar meus pacientes em análise. Mas resolvi abrir aqui uma – apenas uma – curiosidade sobre a minha pessoa. E aqui o faço como uma forma de fazer uma relação entre as redes sociais e o tema principal do assunto que quero tratar hoje – outro assunto que não sai da boca do povo, principalmente nas redes sociais – o Big Brother Brasil.


Então vamos à tal curiosidade sobre mim: Minha primeira formação acadêmica foi em Jornalismo e por quatro anos e meio lecionei várias disciplinas nos cursos de Comunicação Social de uma faculdade particular aqui de Macapá. Uma das disciplinas ministradas era Teorias da Comunicação, onde eu gostava de usar o BBB como estudo de caso para diversas teorias aplicadas.


Bem, desde 2009 que não acompanho mais o programa. Mas hoje, atuando como psicanalista, não consigo ficar indiferente aos fenômenos psicopatológicos que o programa desperta (ou explora) nas pessoas – participantes e público. E é sobre isso que pretendo falar aqui.


Em se tratando das teorias da comunicação, podemos descrever o programa, naturalmente, como um produto de entretenimento dos meios de comunicação de massa que, por sua vez, estão inseridos na indústria cultural. Podemos identificar ainda elementos das teorias da agulha hipodérmica (onde as mensagens da mídia entram na cabeça do indivíduo sem nenhuma resistência – por exemplo, o programa é apresentado como um reality show (literalmente, um “show de realidade”), então as pessoas o aceitam como sendo algo que retrata verdadeiramente “o real”. Também algo da teoria da persuasão; agendamento; análise do cultivo, etc., etc., etc.


Mas quero falar aqui, especificamente, do lado psicológico pela ótica da psicanálise. Para isso, começo analisando o lado do telespectador. E já começo pela análise desta palavra: Telespectador – do grego, temos a junção do termo tele (longe) com o latim spectare (olhar; ver), dando a ideia de quem olha de longe, o que nos remete a uma ideia de voyeurismo, isto é, “aquele que vê” e que foi usado para designar o indivíduo que sente prazer em ver outras pessoas praticando atos sexuais, mas que hoje também se estende aos mais diversos desejos de prazer em observar os outros nas mais diversas situações – coisas cotidianas como observar a vida alheia, admirar o carro (ou a mulher) do vizinho, etc.


Há um prazer em olhar a vida do outro. E se há prazer, há identificação – termo que, em psicanálise, se refere ao processo central pelo qual o sujeito se constitui e se transforma, assimilando ou se apropriando de certos aspectos, atributos ou traços do outro. Primeiramente, em sua construção teórica, Freud vê a identificação como o desejo recalcado de “agir como”, de “ser como” alguém. Em seu texto “Psicologia das Massas e Análise do Eu” (1920), Freud destaca a identificação que se efetua na ausência de qualquer investimento sexual. Trata-se então do produto da “capacidade ou da vontade de colocar-se numa situação idêntica à do outro ou dos outros”. Esse caso de identificação produz-se, em especial, no contexto das comunidades afetivas. É essa forma de identificação que liga entre si os membros de uma coletividade. Ela é comandada pelo vínculo estabelecido entre cada indivíduo da coletividade e o condutor das massas. Esse vínculo é constituído pela instalação deste último na posição de ideal do eu por cada um dos participantes da comunidade.


Trocando em miúdos, a televisão, sendo um meio de comunicação de massa, cria modelos que se tornam ideais do eu – as chamadas celebridades. Estes modelos ideais servem para agregar o público (a massa) que se identifica de forma coletiva com aqueles desejos que o modelo desperta. Com isso, a massa passa a consumir (inclusive financeiramente) os desejos “vendidos” pelo modelo ideal. É isso que faz, por exemplo, com que muitas pessoas gastem dinheiro com a assinatura de um “pay per view” para gozar seus desejos 24 horas por dia.


Agora, em se tratando dos participantes do BBB, o fenômeno se torna ainda mais interessante, uma vez que o programa estabelece atualmente dois grupos – o “camarote” e o “pipoca”. Os termos fazem referência a gírias do carnaval onde, geralmente, os chamados “VIP’s” (sigla em inglês para “pessoas muito importantes”) festejam em segurança nos camarotes, enquanto o “povão” sai pulando feito pipoca atrás dos trios elétricos. No BBB, o grupo “camarote” é formado por algumas figuras relativamente conhecidas na mídia. São celebridades e sub-celebridades que, de uma forma ou de outra são inseridos no programa como aqueles modelos de ideal de consumo que eu citei anteriormente. Já o grupo “pipoca” é formado por pessoas da massa, anônimos. Mas o interessante é que estes anônimos são selecionados para o programa para também se tornarem modelos de ideal de consumo. Então, é como se, de dentro da massa, fossem pinçados alguns eleitos para gozar o “sonho” por dentro – o que acaba gerando, na maioria das vezes, um grande deslumbramento nessas pessoas, que passam a acreditar que agora, na condição de “celebridades” tornaram-se da noite para o dia “pessoas muito importantes”.


Esta semana, o primeiro eliminado do programa é um exemplo típico de identificação. Luciano Estevan tem 28 anos e, desde pequeno, se diferenciou dos seus outros dois irmãos, que gostavam da cultura hip-hop e da dança de rua. Aos cinco anos, Luciano entrou em uma escola de balé clássico e praticou a atividade até os 18 anos. Adulto, ele cursou artes cênicas e também iniciou uma carreira como modelo e ator. Filho de mãe solo e natural de Florianópolis (SC), Luciano mora em um quitinete ao lado da casa da mãe e trabalha atuando em uma websérie infantil, em que interpreta o personagem Lipe, no canal “Gato Galactico”, do Youtube. Durante a sua apresentação no BBB, Luciano deixou claro que adora ser o centro das atenções e expressou o desejo de ser tão famoso quanto a cantora Beyoncé, a ponto de não conseguir ir a nenhum lugar sem ser reconhecido e assediado pelos fãs, quando saísse do programa.
Longe de diagnosticar ou julgar – uma vez que isso não me compete – vejo que Luciano é um caso típico de personalidade narcisista que se retroalimenta em sua fantasia de identificação com o seu modelo de ideal do eu (Beyoncé). Ao mesmo tempo que ele próprio, agora na condição de suposta “celebridade” torna-se modelo de ideal para milhares de pessoas que, de alguma forma, se identificam com ele, isto é, possuem o mesmo desejo.


Fora a alienação do real que a TV e, mais atualmente, as redes sociais impõem ao seu público, a identificação não é um problema em si, tornando-se patológico apenas quando há um excesso em que o sujeito deixa de viver sua personalidade para se refugiar na fantasia de viver a vida que um outro mostra mas que, não necessariamente, seja real. É preciso apenas ficarmos atentos ao que realmente faz sentido em nossas vidas e saber que a vida dos outros é tão cheia de problemas quanto a nossa, de modo que não adianta nada a gente querer se refugiar na fantasia.

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