Numa fila pavorosa, de uma loja de futilidades igualmente pavorosa, há dois dias do Natal, guardo o lugar e aguardo impaciente enquanto minha mulher compra mimos natalinos para a família. Olho ao meu redor e vislumbro um cenário digno do Inferno de Dante: Jovens vendedores recém-contratados para serem explorados temporariamente, suados e sem saber aonde ir ou porque estão ali (é fácil identifica-los com suas camisetas de malha branca e seus gorrinhos de Papai Noel); vendedores mais experientes extremamente ocupados em deixar todo o trabalho pesado para os mais novos, são incapazes de dar uma informação qualquer; mulheres com pelo menos três sacolas de outras lojas mais duas cestas de compras da loja em que estão, tentando domar (ou domesticar de última hora) suas crianças e, para matar com requintes de crueldade, o sistema de som da loja toca os clássicos natalinos (incluindo Simone e pagodes temáticos) a todo volume…
Tento a rota de fuga mais próxima (o celular), mas não adianta. O calor, a aglomeração, o som alto, tudo acaba me trazendo de volta para aquele pesadelo. Até que penso: “Então é Natal”…
A certa altura, meu pensamento começa a divagar sobre essa fantasia consumista disfarçada em festa religiosa…
Há muito tempo deixei de rezar. Mas hoje, eu vou pedir em minhas orações que, de agora em diante, todos os dias seja dia de Natal. Vou pedir para que todos os amigos e familiares ainda distanciados pela pandemia, se reúnam para celebrar o amor e a vida. E que as crianças fiquem brincando até tarde da noite, enquanto esperam para ganhar presentes que surgem subitamente embaixo de suas camas (também vou pedir para que todas as crianças, sem exceção, de agora em diante, tenham, ao menos, uma cama).
Vou pedir para que todos sorriam constantemente, sem máscaras (de qualquer espécie) e desejem mutuamente os melhores votos de paz, amor e felicidade. Vou pedir também para que, mesmo aqueles que não crêem (ou assim o dizem) participem dessa emanação de boas vontades. E que mesmo aqueles que não partilhem das mesmas crenças sentem-se à mesma mesa e confraternizem.
Vou pedir, por fim, que, de agora em diante, as pessoas possam se olhar nos olhos sem receios ou ressentimentos e que, juntos, todos possam trabalhar por um mundo melhor.
E, de repente, minha mulher toca em meu ombro, nossa vez no caixa finalmente chega e finalmente posso voltar para o mundo real…