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Comunicação Não-Violenta (CNV): O que é e como praticar

A Comunicação Não-Violenta é uma prática que propõe uma nova forma de se relacionar e que apresenta ferramentas úteis para superar os desafios que aparecem nas nossas relações que são causados pela forma que nos comunicamos, ou até mesmo pelo que deixamos de falar por medo do conflito.

Mas a CNV vai muito além de uma forma de linguagem ou de um jeito “certo” de falar. A Comunicação Não-Violenta vai te levar a enxergar a sua relação consigo mesmo e com os outros de maneira mais consciente e empática, com práticas que podem ser simples e ao mesmo tempo revolucionárias. Continue aqui na leitura para entender o que é a Comunicação Não Violenta e como praticar esse conhecimento, começando hoje.

O que é Comunicação Não-Violenta (CNV)?

A Comunicação Não-Violenta é uma prática que tem como objetivo gerar mais compreensão e colaboração nas relações pessoais, profissionais e até com nós mesmos.

Para isso, a CNV propõe 4 focos de atenção para orientar a nossa comunicação. Quando nos comunicamos a partir desses 4 focos de atenção, também conhecidos como 4 componentes da CNV, aumentamos as chances de sermos compreendidos pelas outras pessoas e nos tornamos mais aptos a compreender o que está por trás das palavras que elas dizem.

A prática da CNV tem como principal intenção gerar uma qualidade de conexão maior do que a que conseguimos pela forma como a maior parte de nós está condicionada a se relacionar. Mais qualidade de conexão leva a uma maior capacidade de resolução de conflitos e à busca por resultados de benefício mútuo, saindo de uma lógica de que para uma pessoa conseguir o que quer outra pessoa tem que abrir mão de algo.

Ou seja, a CNV não é uma técnica ou uma fórmula a ser reproduzida que irá trazer sempre um mesmo resultado. Ela é um conhecimento prático que promove compreensão, empatia e contribuição nas relações.

A Comunicação Não-Violenta foi sistematizada pelo psicólogo Marshall Rosenberg, que escolheu esse nome inspirado nos trabalhos de resistência não-violenta de Gandhi e Martin Luther King.

Marshall, desde muito cedo em sua vida, observou episódios de violência ao seu redor, motivados por preconceitos de cor e culturais, e, por outro lado, percebeu também que há pessoas que contribuem espontaneamente com a vida de outras pessoas, agindo de maneira compassiva mesmo nas piores circunstâncias. E, investigando o que leva a esses comportamentos tão distintos, ele percebeu que a nossa linguagem e o uso das palavras têm um papel crucial na nossa capacidade de nos mantermos compassivos ou de agirmos de forma violenta.

Em seu livro “Comunicação Não-Violenta – Técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais”, Marshall Rosenberg diz:

“Embora possamos não considerar ‘violenta’ a maneira que falamos, nossas palavras não raro induzem à mágoa e à dor, seja para os outros, seja para nós mesmos.”

No processo de sintetização da Comunicação Não-Violenta, Marshall aprofundou a investigação do papel da linguagem na forma como nos relacionamos, e identificou padrões que nos afastam uns dos outros e da compaixão, que ele chamou de linguagem alienante da vida. Esses padrões estão em hábitos como julgar, rotular, criticar e diagnosticar.

Essa investigação o levou também a identificar os 4 componentes da Comunicação Não-Violenta, que são quatro áreas que, quando focamos nossa atenção nelas e nos comunicamos a partir delas, nos reconectamos com a nossa capacidade compassiva e com a alegria de contribuir com a vida uns dos outros. Os 4 componentes da CNV são: Observação, Sentimentos, Necessidades e Pedidos.

Os 4 componentes da CNV (que não são 4 passos da CNV)

A Comunicação Não-Violenta oferece formas práticas para entrarmos em contato com a nossa capacidade compassiva e para termos maiores chances de colaboração nas relações. Para isso, concentramos a nossa atenção nos 4 componentes da CNV. Vamos olhar para o que é cada componente:

Observação

A observação consiste em separar o que de fato aconteceu em uma situação das avaliações que fazemos sobre ela. Uma observação, pela CNV, é a descrição factual de algo que aconteceu. As observações são muito simples pensando que qualquer pessoa que estivesse como testemunha da situação a ser descrita a descreveria da mesma maneira.

Por exemplo: Se estou com alguém e digo “tem três copos e um livro em cima da mesa” ela pode ver e comprovar, com seus próprios olhos, o que eu digo. A observação é essencial para a CNV por nos aproximar de uma leitura de realidade compartilhada, na qual estamos de acordo sobre o que foi feito ou dito, e isso diminui as barreiras para seguirmos a conversa.

Imagine que, para descrever uma situação, você diz: “Quando cheguei em casa, a louça estava na pia.” Ou, em vez disso, diz: “Você nunca faz o que promete, você é uma bagunceira egoísta!”

Em qual situação você imagina que a outra pessoa teria mais disponibilidade para continuar te escutando?

“Quando falamos sobre o que observamos, vamos para a conversa compartilhando uma mesma realidade. Concordamos e testemunhamos que aquilo de fato aconteceu, e tiramos o foco dos julgamentos sobre o que aconteceu.”

Nossos olhos ou uma câmera veriam a mesma imagem/som. Dificilmente, a outra pessoa discordará do fato que a louça esteja na pia. Mas escutar que sempre faz isso ou que é uma bagunceira, provavelmente irá despertar reatividade e defesa na outra pessoa.

Os julgamentos e avaliações são parte da nossa experiência humana e muitas vezes atuam como mecanismos de defesa produzidos pelo cérebro. E a Comunicação Não-Violenta não sugere que devemos parar de julgar.

O objetivo em focar a atenção na observação é, primeiro, reconhecer que quando verbalizamos os nossos julgamentos, diminuímos as chances de sermos compreendidos. E que quando falamos sobre o que de fato aconteceu, aumentamos as chances de seguir em uma conversa produtiva com a outra pessoa.

Sentimentos

Na Comunicação Não-Violenta, para nos comunicarmos de maneira que conecta, Marshall Rosenberg identificou o componente dos sentimentos. Expressar os nossos sentimentos, trazendo a nossa vulnerabilidade, nos aproxima uns dos outros.

O desafio é que a maior parte de nós não teve uma alfabetização emocional e costuma misturar o que pensa com o que sente. É comum, ao perguntarem “e o que você está sentindo?”, respondermos algo como “Eu sinto que isso vai dar errado” ou “Eu sinto que ele está me desrespeitando”. Percebe que essas frases não falam sobre sentimentos, mas sim sobre pensamentos sobre a situação ou sobre outra pessoa? Isso também acontece com algumas palavras que parecem descrever sentimentos, mas que contam mais dos nossos julgamentos das ações dos outros, como “eu me sinto injustiçada” ou “eu me sinto humilhado”. O Marshall chamou essas palavras de pseudo-sentimentos.

“Os sentimentos são palavras que descrevem a nossa experiência, como “eu me sinto inseguro”, “eu estou chateada” e “eu me sinto animada”. E eles têm um papel fundamental na exploração que a CNV nos convida, que é transmitir mensagens valiosas sobre o que nos é importante naquele momento.

Na Comunicação Não-Violenta, sentimentos são mensageiros de necessidades atendidas ou não atendidas. Por exemplo, se um colega de trabalho responde um e-mail com as informações que solicitei, eu posso me sentir aliviada, porque colaboração e evolução no trabalho são importantes para mim. Ou quando a pessoa que mora com você paga as contas com 1 semana de atraso, você pode se sentir chateado, porque compromisso e confiança são importantes para você.

Ampliar o nosso vocabulário de sentimentos faz com que seja mais fácil nos conectarmos às outras pessoas quando contamos da nossa experiência e também ajuda a estar atento à mensagem que o sentimento transmite. Aqui está uma lista de sentimentos e necessidades, que pode te apoiar na expansão do seu vocabulário.

A compreensão do papel dos sentimentos faz com que não seja produtivo separar os sentimentos entre bons e ruins, como muitos de nós estamos acostumados a fazer. Na CNV, os sentimentos são mensageiros das nossas necessidades humanas universais, que é o próximo componente que vamos explorar.

Necessidades

As necessidades são as motivações que nos levam a fazer, falar e escolher. Marshall Rosenberg dizia que “por trás de toda ação, existe uma necessidade humana universal”.

Esse componente da Comunicação Não-Violenta foi sintetizado por Marshall após a análise de pesquisas sobre necessidades humanas, como o trabalho do economista chileno Manfred Max-Neef, seu principal influenciador.

As necessidades são humanas e universais, ou seja, todas as pessoas, independente da idade, gênero, classe social, tempo ou lugar em que viveu, possuem as mesmas necessidades. Essa compreensão faz com que seja mais fácil, em uma conversa difícil por exemplo, buscarmos pelo que há de comum entre nós, nos conectando com a nossa humanidade compartilhada.

Se entendo que por trás da sua escolha existe uma necessidade humana universal, fica mais fácil compreender a sua motivação. E se eu também te conto a minha motivação, isso aumenta as chances de encontrarmos um caminho que cuide das nossas necessidades naquela situação.

Imagine que você quer sair de casa às 6h para uma viagem de carro, e a pessoa que vai viajar com você quer sair às 8h. Vocês podem acabar entrando em um cabo de guerra, acusando um ao outro com falas como “você é muito descompromissada” e “você é muito estressada e ansiosa”, se não souberem quais são as motivações por trás da preferência de cada um. Para você, sair às 6h pode ser uma forma de cuidar de previsibilidade, compromisso e paz. Enquanto para a outra pessoa, sair de casa às 8h pode ser uma forma de cuidar de descanso, segurança e, também, paz.

Percebe como a conversa fica diferente quando passamos a conversar sobre formas de cuidar das necessidades de compromisso e de descanso, em vez de se o certo a fazer é sair às 6h ou às 8h? Pode ser que vocês cheguem à conclusão que saindo às 7h15 vocês cuidam do compromisso com chegar no local no horário combinado e do descanso que a outra pessoa precisa para se sentir segura em pegar estrada.

Essa compreensão de necessidades para a CNV aumenta a nossa consciência de que o que a outra pessoa faz ou diz não é a causa do que sentimos. Pode ser o estímulo, mas nunca a causa. A causa do que sentimos está nas nossas necessidades. Se eu sinto raiva quando alguém me interrompe no meio de uma fala pode ser porque tenho necessidades de consideração e espaço. Se uma pessoa se sente triste quando está sozinha, pode ser porque ela tem necessidades de conexão, apoio, afeto. Mas, a maior parte de nós, também não tem um amplo vocabulário de necessidades, e contar com o apoio da lista pode ajudar muito nessa investigação de por que sentimos o que sentimos.

Ter consciência do que precisamos, ou seja, de quais são as nossas necessidades nas situações e interações que vivemos, torna mais fácil encontrar alternativas para solucionar conflitos.

E o próximo componente, os pedidos, pode ajudar muito nisso.

Pedidos

Os pedidos, último componente da CNV, são a expressão de como gostaríamos de atender nossas necessidades. Quando fazemos pedidos, damos ao outro a oportunidade de colaborar com o que é importante para nós.

Agora, pare por um momento e reflita: como é para você fazer pedidos? Culturalmente, alimentamos diferentes crenças sobre o ato de pedir. Algumas pessoas veem pedidos como um sinal de carência ou fraqueza; algumas acreditam que pedir é incomodar as pessoas; ou ainda que “eu não deveria pedir, porque o que eu preciso é óbvio”.

Essas crenças que muitos de nós alimentamos nos afastam de fazer pedidos, o que pode ser a raiz de muitos de nossos conflitos. Na intenção de não incomodar, deixo de pedir o que quero e me frustro. Por acreditar que o que eu preciso é óbvio, não falo nada e crio expectativas que jamais são cumpridas, e que viram um peso na relação. Os exemplos são muitos. Já imaginou o quanto os atritos diminuiriam se fizéssemos pedidos para cuidar do que é importante para a gente?

A ideia então é fazer pedidos claros e específicos para que as outras pessoas compreendam o que verdadeiramente nos importa e saibam como contribuir para a nossa vida, dando a elas a oportunidade de nos dizer sim ou não para o que estamos pedindo. Se não temos abertura para escutar um não ao nosso pedido, então estamos fazendo uma exigência, e não um pedido.

Lembra que o propósito da CNV é aumentar a qualidade de conexão nas nossas relações? Quando fazemos exigências, corremos o risco de voltar para o lugar de culpa, medo e vergonha como motivação para que a outra pessoa faça o que gostaríamos. E isso, cedo ou tarde, tem um custo para a relação.

Um pedido na CNV é uma oportunidade que damos para a outra pessoa colaborar com nossas vidas, mas não queremos que ela faça isso às custas das próprias necessidades.

A Comunicação Não-Violenta nos convida a perceber que temos mais escolhas para além de agir por submissão ou por rebeldia diante dos desafios que a vida apresenta. Podemos ter clareza do que queremos cuidar, curiosidade com o que o outro quer cuidar, e, assim, cultivar conexão e compreensão mútua, para nos abrirmos para a criatividade e a colaboração.

Conteúdo replicado Instituto CNVB.

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