Descarte irregular de resíduos, consumo exagerado de recursos naturais e modificação da paisagem são alguns dos impactos ambientais causados diariamente pela construção civil. Somente na cidade de São Paulo, este setor é responsável por mais de 50% dos entulhos gerados diariamente, de acordo com dados da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Embora este seja um dado atual, este cenário pode ser revertido por meio de projetos e métodos construtivos que levam em consideração a arquitetura sustentável.
“A arquitetura sustentável é aquela que busca impactos ambientais mínimos, é ecologicamente correta e que beneficia o desenvolvimento das relações sociais e interpessoais”, explica a arquiteta Isabella Nalon. Este conceito está relacionado a uma série de práticas que consideram todas as etapas do processo construtivo, desde a escolha dos materiais até como o projeto será utilizado após a construção.
No entanto, mais do que isso, a sustentabilidade na arquitetura também considera as construções como organismos vivos que afetam diretamente o meio onde estão inseridos. Afinal, esta ideia é pensada com base não somente com base nos impactos ambientais, mas também sociais e econômicos.
“Uma arquitetura sustentável deve se esforçar para promover a conservação da vida. Para isso, é interessante considerar que a casa deve estar integrada ao seu contexto, em suas diversas escalas, e deve ser produzida a partir de uma determinada base ética, que cuide da Terra, das pessoas e que compartilhe o excedente”, explica a arquiteta Cassia Yebra, do Sem Muros Arquitetura.
De acordo com o arquiteto e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP), Issao Minami, pensar somente na função estética das construções e desconsiderar os impactos causados ao meio ambiente afeta diretamente a relação das pessoas com seus lares e até mesmo com as cidades.
“O grande problema das cidades não esta na falta de planejamento urbano, mas sim na falta de um planejamento das pessoas em relação ao ambiente em que vivem”, explica o arquiteto.
Na prática, como aplicar a arquitetura sustentável?
Entender a arquitetura como um processo humano
O primeiro passo para pensar em arquitetura sustentável é entender a arquitetura não somente como uma relação mercadológica. De acordo com Cassia, é essencial estabelecer uma interação entre os clientes, os produtores das matérias-prima e os executores do projeto. “Consideramos relevante para um projeto arquitetônico considerar todos os processos e escalas que estão envolvidas nas escolhas do desenho”, explica a arquiteta.
Considerar o local da construção
O desmatamento é um dos principais problemas que surge como reflexo das construções. Por conta disso, de acordo com Isabella, é fundamental começar a pensar em projetos que aproveitem o perfil natural do terreno. Em um dos projetos assinados por ela, por exemplo, uma árvore situada no meio do terreno assumiu o protagonismo do projeto em vez de ser removida. “Se eu tenho um terreno em declive, eu já projeto considerando isso”, explica ela.
Escolha dos materiais
Antes de escolher materiais para uma reforma ou para a construção de um imóvel, é importante entender também a origem destas matérias-primas. O transporte de um material oriundo de outro país, por exemplo, gera uma série de impactos ambientais. Assim, é necessário priorizar fornecedores locais não somente para reduzir a emissão de poluentes, como também para fortalecer a economica local e a relação entre os clientes e os produtores.
Além disso, de acordo com Cassia, fugir do uso dos materiais convencionais e ultraprocessados também é importante para gerar impactos sociais e ambientais positivos.
“É interessante considerar também o uso de materiais que privilegiam outras cadeias econômicas para além do convencional, como do aço ou concreto, e pensar na incorporação de materiais menos processados, que tenham menos carbono e energia na sua cadeia de produção como terra crua, bambu, ou madeira”, sugere ela.
Recursos renováveis
Antes mesmo de construir um imóvel, é necessário também pensar em maneiras de aproveitar a iluminação solar, ventilação natural e a água da chuva para minimizar o uso de recursos naturais e garantir a criação de um sistema de consumo sustentável.
Além disso, é importante pensar ainda em alternativas para reaproveitar recursos não somente durante a construção, mas também durante a uso do imóvel. “É interessante considerar soluções descentralizadas, como a compostagem, que promove a reciclagem da matéria orgânica e transforma o resíduos orgânicos em matéria-prima para plantas, ou de tratamento ecológico de águas negras e cinzas, que permite que a água possa retornar ao solo com qualidade”, explica Cassia.
Estabelecer uma cultura sustentável
Muito além de pensar em projetos sustentáveis na arquitetura, é essencial pensar em maneiras de aplicar a sustentabilidade no dia a dia. Assim, é importante propor uma mudança de hábitos para valorizar o consumo consciente, fortalecer redes de agricultura sustentável e até mesmo articular redes de transformação sustentável na região onde você vive. “Fazer um projeto com um instrumental “verde”, sem que haja uma mudança profunda de quem o propõe é vender uma roupagem vazia”, finaliza Cassia.
E em relação ao urbanismo?
Da mesma maneira que é importante considerar as construções como organismos vivos, é necessário também ressignificar e revitalizar o espaço urbano para tornar as cidades mais sustentáveis nos aspectos sociais, ambientais e econômicos. “Reciclar a cidade significa planejar espaços de outra maneira. Assim, é possível implantar um uso misto do território, oferecendo diversidade como comércio, moradia, lazer, trabalho e educação de maneira agrupada, viabilizando diversidade e reaproveitamento urbano”, explica Issao.
Conteúdo replicado Casa Vogue.