Um dos clássicos da música amapaense se chama “Vida Boa”, de autoria do cantor e compositor Zé Miguel.
Na música, o poeta descreve a vida simples do caboclo ribeirinho, em contato constante com a natureza; com os dias regidos pelas enchentes e vazantes dos rios; do ritmo de vida sem pressa, sem planos, sem grandes preocupações… “E, assim, vão passando os anos. Eita, que vida boa”
Talvez essa “vida boa”, para uma pessoa que viva na agitação da cidade, entre o calor do asfalto e a frieza cinza do concreto; com dias regidos por um relógio que precisaria marcar, no mínimo 48 horas por dia; com o ritmo de vida sempre apressado e em total descompasso com seus grandes planos e ambições, seja uma quimera, ou um sonho de consumo ou, ainda, um verdadeiro inferno de monotonia. Daí a pergunta: O que é, afinal, uma vida boa?
Os gregos já diziam que a vida boa é um processo e não um estado. Uma busca diária pelo bem-estar, uma tarefa que nunca acaba. O que, de certa forma, parece algo não só contraditório, mas altamente estressante. E, talvez, por isso mesmo, as pessoas vivam cada vez mais estressadas pela obrigação de serem felizes e – o que é pior – mostrar aos outros, nas redes sociais, que são felizes!
Então, o que é a tal vida boa? É ser feliz? É alcançar nossos objetivos e propósitos? Ou seria simplesmente a valorização do mero fato de estarmos vivos?
A filosofia busca há séculos uma resposta universal para essa pergunta. E cada filósofo, a seu tempo, diz uma coisa. Mas, hoje, a psicologia, através de estudos científicos, nos aponta um caminho mais concreto a esse respeito.
Há, atualmente, um campo da psicologia chamado Psicologia Positiva que, há pelo menos vinte anos vem tentando esclarecer o que é uma vida boa. E o que a maioria dos estudos realizados até agora nos revela é que, muitas vezes, nosso conceito de felicidade (chamado tecnicamente de bem-estar subjetivo) está intimamente ligado à nossa cultura. Em outras palavras, ter uma existência plena está muitas vezes relacionado com o que vemos ao nosso redor e o que almejamos: Para um caboclo ribeirinho, a vida boa é realmente aquela que Zé Miguel canta. Mas para um morador de uma grande cidade capitalista, a vida boa é ter uma bela casa, um bom trabalho, uma vida financeira confortável ou… o último modelo de I-Phone.
O psicólogo e professor norte-americano, e um dos fundadores da Psicologia Positiva, Martin Seligman, mostra que, muitas vezes, assumimos valores que não se harmonizam muito com o nosso autêntico bem-estar. Às vezes queremos coisas que não estão em sintonia com o que realmente precisamos. Por exemplo, alguém pode desejar ter mais dinheiro para fazer o que quer, mas o que precisa mesmo é de um propósito na vida; relações pessoais enriquecedoras, um bom autoconceito ou autoestima…
Seligman propôs o modelo PERMA para aprofundar certos aspectos que podem nos dar uma qualidade de vida mais autêntica. PERMA é a sigla em inglês que destaca os cinco fatores essenciais para que qualquer pessoa encontre um melhor equilíbrio e bem-estar. Estes fatores são:
P- Pleasent emotions (Emoções agradáveis): São aquelas emoções que nos conectam à vida de uma forma intensa, positiva e enriquecedora. Isso não significa suprimir ou deixar de lado as emoções negativas. Devemos, sim, dar espaço a todas as emoções e sentimentos. Porém, essas emoções mais difíceis precisam ser transformados em estados mais funcionais.
E- Engajement (Engajamento): É um compromisso, um propósito, uma meta, um objetivo (ou vários) que nos estimulam a nos levantarmos motivados todos os dias. Sentir-se envolvido em algo nos encoraja e nos impulsiona.
R- Relationships (Relacionamentos): São as pessoas que amamos, que nos inspiram e fazem de cada momento um presente. A felicidade às vezes é uma amizade, um amor, o abraço dos nossos filhos…
M- Meaning (Significado): Aquilo que traz brilho, entusiasmo e propósito à nossa existência. Refletir sobre isso costuma mudar muita coisa.
A- Accomplishment (Realização): É a capacidade de apreciar e tomar consciência de muitas das coisas que conquistamos. Saber valorizar o que fazemos e ter senso de autoeficácia também são fatores fundamentais.
Com isso tudo que envolve o modelo PERMA, percebemos que os gregos tinham razão quando diziam que a vida boa não é um estado, mas um processo. Segundo o PERMA, a vida boa não é simplesmente um resultado, não é uma meta que se deve alcançar e depois preservar como se fosse algo mágico. A vida boa é um processo de nos comprometermos a cada dia. Mas isso não quer dizer que precise ser um trabalho árduo e estressante para que se dê satisfação aos outros.
A felicidade – como muitos a vendem hoje em dia – é uma ilusão. Às vezes vem e às vezes vai. Já o “estar bem” (o bem-estar subjetivo) é um trabalho em que devemos investir múltiplos esforços e processos psicológicos constantemente. Mas para nós mesmo.
Bem-estar e vida boa é, acima de tudo, ter saúde psicológica – seja ouvindo o canto do Japiim numa canoa que balança bem devagar; seja no alto de um arranha-céu contemplando o mar de luzes de uma grande metrópole.