[coluna] A medicalização dos afetos – por André Romero
A procura e o consumo de medicamentos com o objetivo de ‘estancar’ e ‘frear’ o sofrimento humano, cresceu absurdamente na contemporaneidade. A nossa cultura nos últimos 20 anos passou a ser extremamente medicalizada, e nos últimos 10 a 15 anos, a medicalização da infância também se tornou realidade comum na nossa sociedade, com antidepressivos e inúmeros insumos de autorregulação psicotrópica.
O contexto atual tem nos exigido, enquanto sujeito e sociedade, adaptações bruscas em decorrência de tantas mudanças que a pandemia nos trouxe. De longe, o isolamento e a quebra da rotina, tornaram-se uma das principais queixas trazidas pelas pessoas ao consultório como “causa” do sofrimento atual.
Importante se permitir entender que, a angústia que se elevou em você e nas outras pessoas, já estava presente, porém, não percebida e não sentida em decorrência do automatismo do dia a dia, do movimento incessante de estarmos a todo momento respondendo demandas, e não parando minimamente para nos olharmos e nos questionarmos, o que estou sentido? O que eu quero para a minha vida? O que eu desejo?
A angústia, afeto que não engana, como dizia Jacques Lacan, precisa ser entendida, antes que você apenas busque diretamente maneiras diretas de resoluções, afinal, como eu vou buscar formas de lidar com algo, que nem eu sei o que é?! Todo esse movimento é consequência da nossa educação emocional, que antes de qualquer ponto, começa dentro do lar, como estamos educando crianças e adolescentes a lidar com a dor?
Difícil pergunta pois quem está na posição de responsável por isso, também não sabe lidar no momento, também precisa de acolhimento e ajuda. Isso tem tornado um ciclo, no qual é sentido no coletivo, nas escolas, no trabalho, nas relações. Buscamos medicalizar afetos, por não sermos ensinados a conviver com eles e entender que podemos buscar alternativas a cada novo dia para lidar e inclusive estar no comando de nossa vida.
Também coloco como um ponto negativo dentro dessa realidade, a falta de diálogo entre psiquiatria e psicoterapia, há poucos movimentos de tentativas atualmente que são importantes, porém a nível de Brasil a fora, ainda é uma realidade pouco construída, e aqui no Amapá não é diferente. A própria comunicação entre psicólogos, e aqui deixo uma crítica aos colegas de profissão, do quanto essa ausência de debate sobre tantos assuntos, mas a respeito desse em questão, também é algo sentido no todo, principalmente no sujeito que é atendido e ainda não é colocado como a principal pessoa interessada nesse processo entre psicoterapia e medicações.
Dentro dessa crítica, pontuo que o uso de medicações são necessárias em determinados momentos, principalmente diante de um ponto limite no qual o trabalho psíquico não está conseguindo, não está suportando no momento o sofrimento, e esse consumo feito de forma correta (a automedicação não entra nesse “correto”), e sem dúvida nenhuma, acompanhado de psicoterapia, de análise pessoal, proporciona sim ao sujeito a viver de forma mais leve, caso esteja disposto a entender e lidar com seus próprios conflitos. Essa leveza buscada por muitos e atravessada por poucos não se dará apenas com o consumo de medicações, e somente ela não cura e não trata absolutamente nada, apenas ameniza, e essa contenção também não é absoluta. Que a sua vida seja domicílio do seu desejo, e não apenas de suas neuroses. Estás disposto a percorrer o seu processo? Faça terapia!
Perfil
André Romero é Psicólogo (CRP: 10/05733), professor e palestrante. Defensor das causas sociais de saúde pública, assina a coluna de saúde mental no portal Café com Notícia.