A cidade joia da Amazônia comemora seus 263 anos de forma diferente, distante do calor do povo, mas presente no coração de quem vive por aqui. Cativante por natureza, Macapá também conquista o afeto de quem vem de fora e decide construir sua trajetória em solos tucujús.
Para contar essa história fazemos uma parada em um ponto importantíssimo da cultura da cidade: o Mercado Central. Berço de costumes, memórias, bons momentos de amizade, e claro, do café de domingo, o Mercado Central reúne os amantes da boemia que não abrem mão do aconchego que só o fim de tarde nas calçadas cinzas pode proporcionar.
Inaugurado em 1953 no governo de Janary Nunes, o Mercado Central de Macapá é um dos pontos culturais e turísticos mais conhecidos da capital. Não raro ouvimos comentários sobre a época antiga dos cortes de cabelo no ‘Salão Diplomata’ e das conversas fiadas regadas a muita alegria no ‘Bar Du Pedro’, coladinho ao mercado. Como canta Zé Miguel, a “vida boa” de quem mora por aqui realmente passa mais devagar.
Reinaugurado em 16 de janeiro de 2020, o Mercado foi entregue à população após passar por uma reforma que nos remete ao início de tudo, mas sempre mantendo as tradicionais paredes brancas, como de costume.
Pedra de Mistério
Luiz Carlos Carvalho, 64 anos, desde pequeno vive o comércio no patrimônio e relembra com saudosismo do ofício passado de pai para filho. “Antes de eu nascer o meu pai já tinha essa loja aqui, e quando ele faleceu eu fiquei com ela. São muitos irmãos, mais de 10, e eu vou tocando tudo por aqui para ver se conseguimos superar essa crise. Já estamos na 3ª ou 4ª geração da família e vamos levando de acordo com a vontade de Deus”, diz Carlos.
Luiz nos leva para um passeio em dois espaços no mercado que ele cuida com carinho: uma loja de ervas medicinais e outra de itens de Umbanda. Com o apoio da filha ele toca o negócio e faz questão de mostrar cada item com muito zelo. “Esse preto velho aqui é mais antigo que eu! Existe desde a época do meu pai”.
A imagem do preto velho representa uma linha de trabalho da Umbanda. Muito generosos e sábios, os espíritos contadores de história carregam gentileza e humildade, assim como Luiz Carlos. Biólogo de formação, o macapaense exibe com muito orgulho seus títulos na parede da loja. Ao lado da foto de seus pais, o comerciante aponta o quadro com um registro de sua formatura, que divide espaço com uma honraria entregue pela prefeitura de Macapá, como mérito por toda sua contribuição na cultura da cidade.
O “mal de amor” por Macapá vive em linha tênue. “Aqui é muito bom, mas já esteve melhor. Muitas coisas mudaram, em termos de violência principalmente, mas faz parte da evolução das cidades. Sobre o Mercado, ele levou muitos anos para ser reformado, nós trabalhávamos aqui em situação precária, sobrevivemos por insistência nossa, por isso resolveram restaurar”, afirma.
Nós, sobreviventes do Mercado, estamos tentando levantá-lo. Só ficou aqui quem realmente ama esse lugar, porque o movimento caiu muito por conta da pandemia
– Luiz Carlos Carvalho
José Antônio Soares, 61 anos, assim como Luiz, também viu as vendas despencarem por conta da crise humanitária da Covid-19. Há 10 anos trabalhando no Mercado, ele conta que foi difícil vivenciar a nova realidade. “Eu senti demais, passei uns três meses em casa e sem trabalhar”.
Meninas da Amazônia
Quem acompanhava espetáculos no Teatro das Bacabeiras, no Centro da cidade, certamente deve lembrar dos inesquecíveis ‘Bombons da Sol’. Sol, como o próprio nome já apresenta, é uma jovem mulher de alegria contagiante, que desde sempre fez parte da história do teatro e também da cidade, vendendo doces e distribuindo sorrisos.
Agora com ponto físico, o espaço da Sol é cativo no Mercado de Macapá. Yasmim Corte, 21 anos, atendente da loja, fala com carinho do aniversário do lugar onde mora. “Macapá é uma cidade que eu não penso em largar, mesmo com seus defeitos, coisa que tem em todo lugar. É uma cidade muito acolhedora, acredito que por ser pequena. Existe um certo calor de mãe aqui”.
Jeito Tucujú
Nascido no Maranhão, mas de alma genuinamente tucujú, Bernardo Barroso, 63 anos, é autônomo e trabalha há 8 anos no Mercado Central. Enquanto separa alguns talheres em uma bandeja, o homem já grisalho pelo tempo, explica que mora na cidade desde 1992. “Macapá acolheu a mim e a meus filhos, aqui é bom. Vivo na cidade esses anos todos e gosto muito das pessoas”. Quando questionado sobre ir embora, Bernardo diz com certeza que não sairia daqui de jeito nenhum. “Penso em ir na minha cidade natal só passear mesmo, porque de ir embora daqui eu não tenho vontade não”.
4 de fevereiro
Homenageada na letra de Enrico Di Miceli e Joãozinho Gomes, Macapá ganha versos de poesia e encanto. O vídeo da canção “4 de fevereiro” foi produzido de forma amadora e simplista, demostrando exatamente o jeito leve e descontraído do macapaense.
“Pus os pés no teu chão e pisei mundo inteiro, eu e meu violão, é!
Pra que dinheiro. Com a tua proteção, José Marceneiro, chama-se essa canção 4 de fevereiro.
No teu aniversário eu baixei o meu facho, quase que solitário, meio que cabisbaixo, mas teu rio solidário me disse ‘ô macho, pra quê numerário, dê-lhe um Marabaixo'”. – Trecho da música ‘4 de fevereiro’
“Na dor da memória, lembranças de amor”. Nossa terra anda longe da perfeição, afinal ninguém pode se dar a esse luxo, mas com toda certeza o amor por ela é maior. A garra do povo nortista reflete nas crenças e na força de quem resiste ano após ano, pedindo proteção e confiando em épocas melhores.