*Este conteúdo é uma produção da turma de Jornalismo em/de Quadrinhos, do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP)*
‘Bem’ e ‘mal’ sempre foram lados da moeda muito bem definidos em obras de ação juvenis, é um consenso geral e uma moral primitiva que o mal deve ser combatido, e o bem deve prevalecer. No entanto, ‘Attack On Titan’ (do original ‘Shingeki no Kyojin‘), é uma obra brutal, que brinca com o senso de justiça do telespectador e caminha elegantemente para seu desfecho colossal.
Uma obra que começou como uma simples e clara aventura pela sobrevivência contra um mal bem definido, tornou-se uma guerra de perspectivas, com um desejo ainda mais primitivo prevalecendo acima da moral: a sobrevivência.
No dia 10 de janeiro de 2021, foi ao ar o 5° episódio da quarta e última temporada do anime (animação oriental), que adapta o mangá de mesmo nome, publicado desde 2009. O episódio foi um divisor de águas para o tom da série, com o protagonista que, antes apenas defendia seu povo e a si mesmo das ameaças do reino de ‘Marley’, atacando um prédio repleto de civis inocentes do reino rival e assassinando friamente uma figura importante do reino, o que declarou guerra a seu povo.
A cena foi cuidadosamente bem construída durante todo o episódio para não quebrar a empatia e identificação do espectador com os protagonistas, ao mesmo tempo que justificava também o lado dos antagonistas antes vistos apenas como vilões. Não só o episódio, mas a quarta temporada inteira até agora, mostra apenas o povoado do reino de Marley e seu cotidiano, justamente para despertar a identificação e compreensão que tínhamos com os protagonistas de sempre.
Essa foi a grande sacada e reviravolta no enredo geral da série, já que no começo dela, os grandes perigos eram as cruéis criaturas conhecidas como Titãs, um mal claro e definido que deveria ser exterminado pelo bem da sobrevivência e justiça. Posteriormente, os responsáveis pela criação das criaturas, o reino de Marley, também eram vistos como um mal, já que para alcançar seus objetivos eles causaram um genocídio ao povo Eldiano de Paradis — a nação do protagonista.
Sempre estivemos do lado de Paradis, vendo o avanço do ‘Bem x Mal’ da perspectiva deles. Mas agora, nós vimos o lado de Marley, suas razões para fazer o que fizeram, e o conflito “Bem x Mal” foi lentamente sendo desconstruído.
Mais além, haviam passagens que debatiam temas ainda mais profundos, como a manipulação da história mundial pelos lados vencedores e como o passado tem múltiplas versões e significados para cada povo, e até mesmo como cada povo ‘merecia’ ou não sofrer pelo seu passado. Mas havia uma coisa que separava Marley de Paradis: no tempo atual, nas vidas atuais, apenas Marley exterminou inocentes pelos seus objetivos.
Tudo mudou no último episódio. Agora, para garantir a própria sobrevivência e a própria justiça, os Eldianos, através do protagonista da obra, também mataram inocentes. Nada mais separa Marley de Paradis, nem mesmo as atitudes do presente. A culpa do passado, as versões da historia e do presente, os pontos de vista de civis e de guerreiros, tudo se misturou e não existe mais definições de nenhuma bondade ou maldade, mas o conflito permanece e a paz está longe.
O ritmo do episódio dado pelo diretor Teruyuki Ōmine (Dororo, Akashic Records) conduziu essas problemáticas e conclusões, mergulhando no diálogo do protagonista, Eren Yeager, com seu rival de Marley, Reiner Braum — inclusive sendo uma conversa mais de compreensão mútua do que embate de ideais —, intercalados com a revelação da verdade histórica para os outros reinos do mundo e a discreta invasão dos Eldianos na cidade de Marley.
Formando uma experiência completa com nuances equilibradas, nós digerimos toda a mentalidade dos principais enquanto o que acontecia ao redor não nos dava tempo de respiro, findando num clímax tanto conceitual, quanto visual extasiante. Há um certo gosto amargo mas satisfatório na boca, pois vemos a reação, embora de certa forma condenável, de um povo que por três temporadas sofreu para se manter vivo e foi oprimido desumanamente.
A história que acompanhamos amadureceu, evoluiu e alcançou um patamar complexo, nada é mais preto no branco, e graças a isto os telespectadores da obra se divergem em múltiplas opiniões sobre lado certo e errado. O estúdio MAPPA, responsável pela produção do anime, fez questão de replicar a cena final da maneira mais fiel possível ao mangá, embora a comunidade tenha criticado duramente a ausência da trilha sonora clássica “See you Big Girl /T:T” de Hiroyuki Sawano (obrigando até mesmo o diretor do episódio a privar sua conta pessoal no Twitter para evitar a onda de ataques).
Nas palavras do próprio protagonista, Eren Yeager, para seu rival do lado oposto, “Eu sou o vilão. Eu posso acabar destruindo o mundo, mas pra mim, vocês se pareciam com os vilões…”. Mas mesmo esse entendimento não é o bastante para encerrar uma guerra milenar e multifacetada, então ele conclui seu pensamento com sua determinação, que guia os fãs que o apoiam às estrondosas consequências finais: “Eu vou continuar avançando, até afastar meus inimigos”.
‘Attack on Titan’ (Shingeki no Kyojin) tem episódios novos todos os domingos às 17:45, no Streaming Crunchyroll e as temporadas anteriores com dublagem PT-BR estão disponíveis no Streaming Funimation.
Créditos
Texto: Matheus Antonio
Professor: Prof. Dr. Ivan Carlo