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Tendência

Rincon Sapiência oferece oportunidades para jovens talentos do rap

“É sobre autoestima também, é sobre estética também”

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Sem deixar de lado o trabalho autoral, o rapper Rincon Sapiência tem se dedicado a apoiar jovens talentos da zona leste paulistana, onde nasceu e cresceu. “É uma oportunidade que eu não tive, de sair andando de casa e ir para um estúdio, no qual eu possa produzir, gravar, passar minhas vozes. Isso aí eu não tinha condição”, conta o artista sobre a estrutura que busca fornecer aos novos MCs.

Essa forma de construção, com ajuda mútua, esforço e criatividade, apesar das situações nem sempre favoráveis, é também, segundo Rincon, parte do hip hop.

Rincon conta que ainda trabalhava no setor de telemarketing, quando lançou, em 2009, o single Elegância. Com o sucesso, decidiu abandonar os trabalhos formais e focar na carreira musical. A canção, que saiu acompanhada de um videoclipe, explora a importância da moda e do estilo para a cultura hip hop e para os jovens de periferia. “É sobre autoestima também, é sobre estética também”, defende a respeito do papel que esses elementos têm na formação da autoestima da juventude.

“Meu trabalho não funciona se eu não estiver conectado com a quebrada”, diz Rincon Sapiência – Rovena Rosa/Agência Brasil

Conexão que acontece, na visão do artista, porque são as periferias que acessam cada vez mais os recursos de produção, que têm determinado os rumos do hip hop. “Quem indica as tendências, o estilo de produção, a gira do momento, o que está sendo feito, são os artistas da quebrada”, enfatiza.

O contexto atual também pede novas formas de comunicação, na opinião do artista, especialmente para tratar de temas historicamente pelo rap, como a denúncia das condições sociais. “Há espaço, sim, à crítica social, a trazer informação para as pessoas, mas desde que essa informação seja levada de fato às pessoas, que não seja algo que pareça que você quer impor algo que você quer, que soe moralista”, avalia.

Confira os principais trechos da entrevista com Rincon Sapiência.

Agência Brasil: Na música Ponta de Lança, você canta: “A depender de mim, a cultura MC ainda vive”. Eu queria saber como é que você entrou nessa cultura, que MCs te influenciaram para ser um mestre de cerimônia?
Rincon Sapiência: Eu me conectei com a cultura hip hop desde criança, por conta do meu irmão mais velho, que sempre ouvia rap, a cultura que tem os quatro elementos, e eu me apaixonei pelos quatro elementos. O DJ era um pouco mais difícil, por conta de equipamentos e esse tipo de coisa. Mas, eu fazia grafite, tentava dançar break e principalmente gostava de compor, de escrever. Foi a parte que eu mais consegui me desenvolver também.

O rapper que me influenciou inclusive a dar carreira de MC foi o Xis, isso [em] meados de 99, por conta do disco dele Seja como For. Ele tinha lançado a música De Esquina, que já tinha feito minha cabeça. Eu amava essa música, amo. Quando saiu o disco, eu adorei mais ainda, aí saiu o videoclipe com imagens na minha quebrada, na Cohab – 1 [conjunto habitacional construído pelo governo estadual], aí eu gostei muito. Os Racionais também, obviamente, formaram muito o nosso caráter, a gente que é de quebrada. Mas, quando eu vi os Racionais eu senti uma certa distância do que eles falavam, da profundidade, com a minha idade, que eu tinha 15 anos e tudo mais. Então, o Xis foi o cara que eu consegui visualizar que eu poderia fazer rap, falar de outras coisas, de outras formas diferentes e por aí foi.

Quando eu falo da cultura do MC, é de valorizar o mestre de cerimônia, aquele que tenta dar seu melhor, apresentar técnicas de rima, que quer botar pra quebrar em cima do palco, que gosta de interagir com o público, que se movimenta, que chama atenção exercendo a função de MC.

Agência Brasil: Qual papel você acha que a batalha de rima tem na formação do MC?
Rincon Sapiência: Eu peguei muito o freestyle, mas não necessariamente batalhas, era um momento onde a gente fazia sessões de freestyle, principalmente no centro de São Paulo, meados… Nossa, vou ser ruim com a data, talvez 2003, 2004, quando tinha, na Galeria Olido, a banda Central Acústica, era uma banda de três integrantes, bateria, guitarra, baixo. O MC era o Kamal e ele, aleatoriamente, convidava pessoas pra cantar um trecho de alguma rima. Era livre, na verdade. Eu estava sempre lá, as quintas-feiras, e eu me destacava fazendo freestyle.

A partir disso eu me conectei com muita gente, eu lembro quando o KL Jay apertou a minha mão e falou que eu mandava bem. Eu lembro os detalhes mínimos, eu construindo tijolinho por tijolinho. Lógico que eu já cantava antes disso, mas essa época foi uma época que eu consegui aparecer. A gente não tinha condição de gravar, então fazer freestyle era uma forma de a gente aparecer, porque você não precisava ter uma gravação, era uma forma de a gente performar, cantar e conseguir mostrar o trabalho.

Com a crescente das batalhas, logo em seguida veio o período da [Estação] Santa Cruz, o [rapper] Emicida, que se destacou muito, entre outros rappers também. Essa fase talvez seja o momento em que estava mais efervescente essa ideia de batalhas. Eu apoio muito, porque imagino que, para muita gente dessa época, foi uma forma de ter o seu primeiro contato com o rap, de poder cantar e também de poder assistir. Porque é algo na rua, é algo que é na voz ali, é só você colar, trombar, rapaziada, aquela coisa toda assim. Eu sou um cara que, por mais que não tenha o hábito de frequentar, apoia muito essa ideia das batalhas e acho que é muito necessário pra cultura.

Agência Brasil: Você trocou em dois pontos interessantes. Você falou dessa importância dessa cena do centro, você estava ali na Galeria Olido, perto de outros pontos, como a 24 de Maio, São Bento, que são pontos que têm importância histórica na cultura hip hop da cidade de São Paulo. Mas você também falou que você sentia importância de falar da quebrada, de ver a quebrada representada na música. Como é que a quebrada está no seu trabalho, está nas suas canções?
Rincon Sapiência: São períodos. Esse período do início dos anos 2000 foi um período onde os grandes expoentes do rap que a gente conhece acabaram dando um tempo, os grupos ficaram um tempo sem lançar músicas. Então aqueles nomes de referência, que eram extremamente influentes nos anos 1990, nos anos 2000, tiveram essa virada. Então, o rap também se reformulou no que diz sentido à estética, ao discurso, e acabou mudando também a área de atuação, se tornou um movimento um pouco menor e acabou se concentrando no centro durante um período.

Mas, com toda essa virada, o rap acabou ganhando uma proporção que está desde o underground na rua até o grande mercado da música. Vide os artistas aí que alcançam números incríveis nesse processo. Já faz alguns anos que a quebrada está muito conectada, está muito informada, acessando internet. Está tendo recursos também de produção musical, de poder gravar e fazer as coisas. O momento do rap é a quebrada, por mais que você possa falar: “Mas eu fui para tal evento, tinha o pessoal de uma outra classe social.” Ok, mas a base, quem indica as tendências, o estilo de produção, a gira do momento, o que está sendo feito, são os artistas da quebrada.

O fato de eu estar próximo da quebrada, onde eu sou nascido e criado, e, naturalmente, já é minha natureza. Também próximo de outros artistas, tem feito eu conseguir me renovar muito, eu conseguir me manter conectado com o que está acontecendo. É o que está me fazendo continuar produtivo também. Eu diria que meu trabalho não funciona se eu não estiver conectado com a quebrada.

Agora, a gente tem uma cena de rap indígena, tem gente produzindo a partir da temática LGBT, da sua própria realidade. Como é que você vê aí o rap e o hip hop nessa questão da pluralidade de vozes? Qualquer movimento cultural começa de uma forma, mas ele muda de acordo com a sociedade. E a ideia principal, imagino eu, do início da cultura hip hop foi essa pluralidade. Ele começa com os pretos, com a música preta, com a influência do sound system da Jamaica. O DJ Kool Herc fez uma festa, que eles chamam de block party, uma festa na rua. É uma cultura preta, mas, pelo fato de estar na quebrada, acabou contemplando os latinos também, acabou contemplando que a vida do imigrante fora do seu país sempre é uma luta também, de alguma forma.

Ele [o hip hop] sempre contemplou aqueles menos ouvidos, menos representados. E eu acho que nos dias de hoje esse recorte tá também dentro do LGBT, dos indígenas. Eu acho que o hip hop precisa ser um suporte também pra essas pessoas. Eu acho necessário.

Vozes Hip Hop arte

Agência Brasil: Em Elegância, que, junto com o videoclipe, foi o primeiro trabalho seu a ganhar grande repercussão, você fala que “preto formado, sempre perigoso, paga um pouco nos panos, mas é vaidoso”. Trazer autoestima para a juventude preta e periférica também é uma forma de enfrentar o racismo?
Rincon Sapiência: Com certeza, porque o hip hop no início aqui no Brasil pegou muito nessa veia, que foi muito importante, inclusive, ele pegou muito essa veia social. Muita influência dos movimentos pretos de fora do Brasil, do Black Panther [Panteras Negras, ativistas contra o racismo nos EUA]. Tinha as bandas também que cantavam isso, Public Enemy [grupo de rap norte-americano] e tudo mais.

Mas parte dos signos do hip hop também envolve o comportamento, a atitude e a autoestima também. Tanto é que você vai ver uma foto antiga dos anos 1990, 1980, eles estão sempre posando, sempre aquela marra, sempre aquele estilo de roupa. É sobre autoestima também, é sobre estética também. Não é somente isso, mas é sobre as correntes, o ouro, a postura, o jeito que dança, a marra, o jeito que posa, que anda, que se comporta. Então, trazer autoestima, fazendo hip hop, é você fazer hip hop.

Agência Brasil: Você acha que o hip hop também tem um lugar de abrir possibilidades para essa juventude periférica, abrir horizontes?
Rincon Sapiência: É uma forma de abrir possibilidades, sim. Porque é isso, o hip hop tem os quatro elementos – DJ, MC, o break, o grafite – mas eu acredito muito que o hip hop é uma ideia. Essa ideia do faça você mesmo, de você não depender. Eles [pioneiros da cultura] não tinham, por exemplo, condição de montar uma banda com bateria, tudo. Eles pegavam trechos livres de alguma música, faziam esse trecho se repetir, usavam isso pra dançar, pra cantar em cima. Não tinha um lugar pra expor seus quadros, sua arte, uma galeria. Eles iam pra rua, para o trem, grafitavam e tal, dançavam na rua.

A ideia de fazer acontecer por você mesmo é hip hop. De você crescer e trazer alguém pra perto de você, isso é hip hop também. Para além do que é determinado como quatro elementos, ser hip hop é você empreender, você ajudar seu parceiro, você fazer alguma coisa pelo seu parceiro, você fazer alguma coisa pela sua quebrada, você trazer a autoestima, é você se empoderar de alguma forma. Se você pegar desde o início, sempre tem alguém que puxou a primeira festa, tem alguém que levou o material de tal artista para uma determinada gravadora e conseguiram lançar. Se você pegar as minúcias da história da cultura, sempre tem alguém agindo, empreendendo, fazendo acontecer. Então, a ideia hip hop é muito importante para o jovem de periferia.

Agência Brasil: A crítica social estava ali na origem do rap, do hip hop, mas depois a gente vai se expandindo, abrindo esse leque de possibilidades. Mas, hoje, a crítica social ainda tem lugar no rap contemporâneo?
Rincon Sapiência: Eu acho que a sociedade contemporânea em si se dispõe menos a falar sobre. Talvez a ideia social, hoje em dia, ela é aplicada de uma forma diferente do que era aplicada antes. Eu acredito que tenha espaço, sim, desde que você consiga estabelecer um contato, um diálogo com as pessoas. O que eu penso é que alguns discursos, da forma que era feita anos atrás, para se comunicar com os jovens hoje em dia, são um pouco diferente. Então, acho que achando essa veia de falar com os jovens, de estabelecer um contato, uma comunicação com eles, acho que é possível.

Acho que também essa manifestação social talvez ela já esteja acontecendo, mas com outros discursos, com uma outra forma de ser, de rebeldia, vamos dizer assim, de outras maneiras. Mas eu acredito que há espaço, sim, à crítica social, a trazer informação para as pessoas, mas desde que essa informação seja levada de fato às pessoas, que não seja algo que pareça que você quer impor algo que você quer, que soe moralista. Às vezes, quando a gente não toma cuidado, parece que você é o pai chato, aquele cara, não, isso aí não, não sei o que e tal. Tem que saber conversar com os jovens e com as pessoas no geral. Acertando isso, essa comunicação, nos dias de hoje, é possível, sim, trazer esse discurso.

Agência Brasil: Hoje, o que te interessa aí no rap e no hip hop? No que você tá trabalhando hoje?
Rincon Sapiência: Eu continuo fazendo minhas coisas, produzindo. Me sinto ainda inspirado a produzir, a compor, a falar, a gravar e tudo. Tenho feito meus trabalhos, tenho tido uma experiência nova, que é de agência artista. A gente está trabalhando com três artistas aqui da quebrada, são dois MCs, o Brenove e o França e um produtor musical que se chama Hiroshi. Todos eles aqui da região, da quebrada e todos eles muito talentosos, todos eles jovens.

Quando eu digo jovens, a gente já tem uma forma jovem de se portar, de se comunicar, de fazer a música, de falar. Então, não seria uma extensão do Rincon e sim novos artistas. Eu acho que a gente precisa dar oportunidade a novos artistas e isso está sendo bem legal, sim. Na verdade, se eu tivesse ainda mais recursos, eu estaria agregando muito mais artistas além deles três. Porque conheço muita gente talentosa aqui na região. Eu acho que eu me inspiro, continuo inspirado a dizer coisas por conta das minhas experiências pessoais mesmo, mas essa energia jovem também que eu vejo neles, musicalmente também, me inspira muito também.

Agência Brasil: Quando você decide apoiar esses jovens, você pensa em apoios que você teve no passado? Você acha que teve figuras que foram importantes pra você no passado pra você chegar onde você chegou hoje?
Rincon Sapiência: Eu tive figuras inspiradoras. Desde pessoas que eu não conheço, como Xis , Racionais, Consciência Humana, o De Menos Crime, o Sistema Negro, que me inspiravam muito, até grupos da região, o Raciocínio Negro, o De Olho no Crime, Contra Sistema, o Mentes Criminais, o Código 44, o Facção X, muito grupo aqui da região. Eu muito novo, eles já mais velhos, fazendo as coisas me inspiraram muito.

Mas, de toda forma, para eu ter acesso a computadores, produção musical e várias coisas, eu sempre tinha que sair da quebrada, ir até um amigo na zona norte, no centro ou em outra região, que não fosse a Cohab 1. Quando eu vejo vários artistas da Cohab 1, muito bons, talentosos, o que eu penso? Que eu posso dar oportunidade para eles terem o melhor deles, mas sem precisar sair e ir lá para não sei aonde para fazer a parada deles. Acho que a gente pode concentrar por aqui mesmo e continuar fazendo as coisas. Isso é uma oportunidade que eu não tive. De sair andando de casa e ir para um estúdio do qual eu possa produzir, gravar, passar minhas vozes, isso aí eu não tinha condição.

A gente tem o nosso QG, que é aqui próximo também, e os moleques ficam lá direto, produzindo, gravando e estão com a mente fresca. O ritmo deles de produção é incrível, de fazer música toda semana. Toda hora mandando no WhatsApp escuta essa, escuta essa. Toda hora sai coisa nova e eu fico feliz por isso. Lógico que é um trabalho de formiguinha, ainda não somos aquela produtora com um aporte enorme, mas a gente se vê com o recurso de poder proporcionar a parte artística, pelo menos, que é de eles gravarem, rodarem o videoclipe, colocarem as paradas na rua. Então, muito em breve, a gente vai estar colocando na rua e apresentando o trabalho deles por aí.

Agência Brasil: O que você vê hoje como marcos na sua carreira?
Rincon Sapiência: Tiveram dois fortes. O primeiro é o Elegância [lançamento da música e videoclipe], que é quando eu saio do telemarketing e vejo um caminho na música. Falo: “Ó, tem caminho, música tem caminho”. Eu paro de trampar formalmente e começo a investir, trabalhar com arte, ganhar o dinheiro, mesmo pouco, com música. O [single] Ponta de Lança é quando esse projeto meio que dá certo, quando firma. É quando eu começo a fazer shows de fato, ter agenda, ter equipe, ter um trabalho mais estruturado.

Agência Brasil: Você usa diversos símbolos de religião afro-brasileira, qual papel a espiritualidade tem no seu trabalho?
Rincon Sapiência: Tem um papel forte, porque eu me adentro na religião de fato, como um filho, muito recentemente. É de dois anos pra cá, na pandemia, me torno filho mesmo. Antes eu era um estudante de livros, simpatizante. Mas, [hoje], entendendo algumas coisas, ela já agia desde antes na minha vida. A minha cabeça, o meu orixá de cabeça, tudo isso já atuava na minha vida, na parte artística também. Eu que desconhecia. Conforme eu fui me adentrando, fui vendo a influência que tinha.

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