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[coluna] Entendendo a cultura do ódio a partir da não legitimação do afeto – por André Romero

Hoje muito se fala de uma cultura do ódio, que cresceu de todas as formas nos últimos anos, cultura esta que inclusive foi e é favorecida e alimentada no sentido negativo, por polarizações de conflitos políticos, sociais e pelo mau uso da modernidade digital.

Uma coisa muito equivocada é pensarmos que um dia poderíamos viver sem o afeto do ódio, projetando-nos em uma cultura exclusivamente da paz e da harmonia. É um ideal até interessante, porém utópico e impossível. Para a psicanálise, todos os afetos, emoções e sentimentos têm uma razão de ser e um lugar para existir, e o ódio é um afeto parte da nossa experiência humana, é parte do viver humano.

Partindo dessa questão, para que nos serve o ódio? Podemos pensar na sua função transformativa em nossas vidas, a partir de um contexto de separação, contexto este que lidamos desde o início de nossa jornada no mundo até nosso último suspiro.

As vivencias de separações são trabalhadas, ou melhor, deveriam ser trabalhadas no processo de luto, processo este responsável pela elaboração das nossas dores. A raiva, o ódio, são afetos naturais e que vão sempre aparecer, no entanto somos ensinados a demonizar esses afetos, a excluí-los e a não legitimá-los enquanto algo normal e inevitável.

Um grama de raiva, pode e vai ser essencial para que possamos nos separar do outro, uma dinâmica que ocorre durante o processo de luto. As pessoas no mundo atual querem ir da separação para a indiferença, para a cura, para um não contato com o processo de rompimento. Essa negação do luto, e consequentemente da raiva e do ódio, faz com que eles se conservem mais ainda, e este conservadorismo do ódio nos leva ao que Jacques Lacan chamou de ‘amor-ódio’, uma mistura entre o “quero deixar partir, porém não me permito sentir este partir”.

Somos ensinados e educados para entender que existem sentimentos bons e sentimentos ruins, mas no fundo todos são sentimentos e precisamos legitimá-los para que assim possamos encontrar formas de lidar com a dor, e não ir em um movimento de anulação, pois além de ser impossível, só prolonga e aumenta algo mal elaborado dentro de você mesmo. E quem sofre com isso? O outro, pois o seu ódio não trabalhado precisa ir para algum lugar, e esse lugar são as outras pessoas que, de certa forma, nada tem a ver com nossas questões mal resolvidas.

Por essa e tantas outras explicações que, a intolerância e a violência estão muito acentuadas nos dias de hoje. A raiva, o ódio não trabalhado, não aceito, não vai libertar e sim aprisionar. Essa prisão explode e se apresenta no nosso contexto de convívio social, principalmente com as diferenças.

Por fim, o famoso e debatido “mimimi” está muito mais presente naqueles que agem com intolerância, do que naqueles que lutam por vez e voz. Escutar o outro é “chato” pois nos exige esforço psíquico, movimento importante, necessário, mas que a maioria das pessoas não está disposta, até porque não somos ensinados socialmente para isto, para escutar o outro, e sim para um excessivo e patológico investimento narcisista.


 

Perfil

André Romero é Psicólogo (CRP: 10/05733), professor, palestrante e diretor do Mosaico Espaço Terapêutico. Defensor das causas sociais de saúde pública, assina a coluna de saúde mental no portal Café com Notícia.

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