[opinião] O filtro fosco da insensibilidade
Há um deslumbre quase mágico quando nos descobrimos artistas. Uma inquietude que começa nos olhos e termina nas mãos. No momento em que enxergamos tudo e desse olhar sentimos cócegas entre os dedos para colocar algo nosso no mundo. É nessa descoberta que se inicia a gestação das nossas primeiras criações.
E assim vamos parindo arte despretensiosamente, sem pensar na métrica, no ângulo, no traço, no passo ou na luz. Vamos parindo despretensiosamente para aprendermos a gestar e parir. E talvez esse seja o momento mais delicioso de se perceber artista, porque nos encontramos na condição em que tudo acontece com facilidade e a sensação de infinitude da criatividade existe e nos toma.
No findar dessas inspirações, o sentimento de vazio nos alcança, e junto dele uma cobrança interna para que a produtividade retorne. Dessa vez mais refinada e autoral, exigindo um pouco mais de energia da nossa parte. Esse desejo íntimo de “voltar a ser artista” se equilibra na linha tênue que balança entre o que queremos o e que o mundo quer de nós.
Walter Benjamin no texto A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, critica a massificação das obras feitas pela indústria cultural, alegando que essa prática compromete a autenticidade e a chamada “aura” das criações. Sua singularidade no tempo aqui e agora. Esse ritmo está para o artista quando lhe é cobrado a massificação de uma produção que é intelectual, e em muitos casos, não depende unicamente da vontade de produzir.
Na inconstância que é trabalhar com a criatividade nesse contexto, nos frustramos. Nos frustramos porque mesmo que questionemos o modelo de produção, a estima é afetada quando nem mesmo dele conseguimos fazer parte. Quando nos descobrimos artistas, não aprendemos a lidar de primeira com os vazios.
A questão está em incorporar essa cobrança e transformar o trabalho artístico em produto e somente isso, sendo o resultado final a motivação para que ele exista. Estar refém da demanda massificada é entender a produção do artista em uma condição de dependência da prática literal. Do ser artista apenas no parir, desconsiderando o gestar.
Essa dependência da prática e técnica para que o trabalho exista acostuma a nossa sensibilidade, que anteriormente era espontânea e despretensiosa, a se me manifestar unicamente nessas ocasiões. A fotografar somente com a presença da lente, a escrever somente com a presença do papel, a ser artista somente com a ferramenta, que se configura como aparato, mas não são a arte e nem o artista em si.
São nesses espaços vazios, entre os picos de criatividade, que descobrimos diferentes perspectivas. Entendemos que o que fazemos é apenas uma das possibilidades que temos de nos manifestar no mundo e que existem fases na vida em que essas manifestações fazem sentido. Entre o campo da ideia e do existir que a nossa obra passeia, existe um limbo onde guardamos tudo o que deixamos de produzir. As fotos que fizemos com olhos pela ausência da lente, os versos que escrevemos com a boca pela ausência do papel. E isso ocupa o mesmo espaço de relevância na formação do nosso repertório.
Quando entendemos e abraçamos o vazio, abrimos os olhos para enxergar além dos filtros foscos da insensibilidade.